"Minha história com os barcos começou quando eu era pequeno, em Marataízes. Nasci em Cachoeiro, e era para lá que eu ia no verão. Meu pai era metido a inventor e adorava madeira. Ele vivia me levando para visitar os estaleiros tradicionais dos barcos de pesca. Naquele tempo, eles eram todos à vela. Aquilo tudo me encantou. Passei a acompanhar a chegada e saída dos veleiros no cais. Era incrível para uma criança ver os barcos lá no horizonte, brotando do infinito. Com meus primos, construía barquinhos de lata e pensava quando eu teria um de verdade. Aos 15 anos, velejei pela primeira vez no barco de um primo.
Seis anos mais tarde, já formado em Artes, decidi viajar. Sabendo disso, um amigo me indicou um conhecido que havia acabado de construir um veleiro e estava procurando tripulação para atravessar o Atlântico. Não pensei duas vezes: vendi meu carro, pedi uma licença sem remuneração de dois anos e, dentro de uma semana, já estava em alto-mar.
Em oficina, no Centro de Vitória, o designer gráfico produz os barcos em que vai velejar junto dos dois filhos
Era um barco polonês, com 12 pessoas na tripulação de dez nacionalidades diferentes. Paguei 500 dólares e passei dois meses no caminho entre Brasil e Portugal. O veleiro era de aço e tinha 56 pés. Mas as tempestades davam muito medo, e os perigos eram grandes. Trocar uma vela à noite, por exemplo, era um risco danado. E, para completar, estávamos com o rádio quebrado. O aparelho só recebia mensagens, não emitia. Isso foi em 1986. Não havia GPS nem nada.
Mas o perigo também existe em horas de calmaria. Tarde linda, pôr-do-sol maravilhoso, eu estava tomando banho atrás do barco, como era de costume. A ordem era sempre alguém ficar vigiando quem estava no mar. Como demorei, meu colega saiu.
Nessa situação, o barco ficava a uma velocidade de dois nós, cerca de quatro quilômetros por hora. De repente, uma onda descompassada me pegou. Bati a cabeça no casco e desmaiei. Depois de alguns segundos, uma voz igual a do meu pai assoprou no meu ouvido: ‘Acorda agora senão você vai morrer’.
Fiz aquela força e voltei à consciência. O veleiro já estava a uns três metros de distância. Nadava, nadava e não tinha mais forças para chegar. Já tinha certeza de que iria morrer quando me lembrei do capitão falando sobre uma longa corda que ficava solta, boiando, na parte de trás.
Mesmo sem óculos, juntei forças, procurei e conseguir subir sozinho. Quando entrei, estava todo mundo rindo, se divertindo, jogando xadrez. Ninguém percebeu nada do que havia acontecido. Não faltou foi bronca para colega que me abandonou.
Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Em oficina, no Centro de Vitória, o designer gráfico produz os barcos em que vai velejar junto dos dois filhos
Depois disso, cheguei a ter velas pequenas, entrei no Iate Clube e participei de algumas competições. Há cinco anos, decidi mudar de vida e comecei a me preparar para fazer mestrado. Queria dar aula, poder ensinar um pouco do que aprendi no mundo. Meu irmão, então, chegou até mim e disse que não sou da teoria, mas da prática. Isso me deu um estalo.
Decidi ir por outro caminho: colocar a mão na massa. Tive a ideia de uma barco para cada filho – Davi, 9, e Cintia, 15 – para que eles pudessem viver a mesma experiência que eu tive. Os dois herdaram o meu gosto e já até participam de competição.
Comprei um projeto de um arquiteto sul-africano e estou produzindo dois veleiros que têm capacidade de fazer uma viagens na nossa costa, com equipamento completo.
Acredito que dentro de dois ou três anos tudo esteja pronto. Estou fazendo tudo sozinho e com ferramentas bem manuais, por isso demora. O mais legal está sendo o processo. Eu recebo muitas visitas, amigos, pessoas que querem conhecer esse trabalho. Costumo chamar minha oficina de bar sem álcool.
É um investimento grande. Só o material de cada barco custa R$ 40 mil, mas o que vale é a experiência. O mar é um grande desafio. Construir algo que vá ajudar a apreciar toda a imensidão do mar é superar mais um deles.” Fonte: A GAZETA
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