boas
gargalhadas. É, na verdade, uma "caricatura" do status dos Almirantes
na Marinha.
Divirtam-se...
E concluam como vocês "me tratam mal" no Maestrale, rssss!
Adalberto Casaes
Adalberto Casaes
Sent
by IPAD
os a almirante!
Costuma-se dizer que a diferença entre um capitão-de-mar-e-guerra e um almirante é que o capitão-de-m
Homenagem aos colegas promovidar-e-guerra pensa que é Deus, e o almirante tem certeza. Isso até faz algum sentido, pois Deus, que é Deus, é chamado apenas de Senhor, enquanto um almirante é chamado de Vossa Excelência.
Nos tempos de Colégio e Escola Naval, tínhamos dificuldade de acreditar que almirantes tivessem origem em seres de carne e osso. Isso porque nossos comandantes nos acostumaram a ver os almirantes como entidades espirituais, algo do tipo Oxossi, Ogum, Zarathrusta, Virshna, qualquer coisa do gênero, que não sabíamos de onde vinham, mas acreditávamos que existissem. Nós os víamos apenas em ocasiões muito especiais, como um eclipse do sol ou apassagem do Cometa de Halley. O que mais nos impressionava é que eles não chegavam de Kombi, transporte dos oficiais comuns, mas sim de Opala com ar condicionado, o que era um luxo para a época. É preciso esclarecer que andar de Kombi é um estigma na carreira do oficial de Marinha, que se divide em antes e depois da Kombi. Quase todo capitão-de-mar-e-guerra da reserva sofre da “Síndrome da Kombi”. Em todos os hospitais navais há uma carcaça de Kombi usada para tratamento psiquiátrico dos casos mais sérios. Eu já estou quase curado, mas ainda dormirei em um banco de Kombi por algum tempo, até a cura total. O que causa essa síndrome é saber que ninguém em cargo importante anda de Kombi, particularmente os mar-e-guerra não almirantáveis. Eu criei esse trauma porque mesmo quando comandei não tive direito a um Opala e, para piorar, no último dia de serviço ativo ainda fui para casa numa carona de Kombi. A compensação é que meu pouco sucesso na carreira militar foi amplamente recompensado na vida civil. Recentemente fui eleito, com votos de dois parentes, terceiro suplente de subsíndico no prédio onde moro. A cerimônia de posse foi realizada no elevador de serviço, onde serviram biscoito maizena e refresco de groselha.
Lembro-me de que antigamente os almirantes tinham nomes em código, utilizados nas mensagens operativas. O Chefe do Estado-Maior da Armada, por exemplo, era, até por uma questão de humildade, “O Sol”. Quando ele nos honrava com sua presença em alguma cerimônia, recebíamos antecipadamente uma mensagem informando a presença do “Sol em pessoa”. Agora eu entendo porque os oficiais daquela época usavam tanto seus óculos escuros.
Ficávamos boquiabertos com a sabedoria que emanava dos discursos dos almirantes. Eram sempre um complemento para nossas aulas de português. Isso deixava os mais modernos em desespero, pois algumas vezes eram escalados para saudar autoridades e tinham de fazê-lo, também, com palavras rebuscadas. Lembro-me de um tenente que, muito nervoso, desejou ao almirante um Natal nefasto, e tentando elogiar a autoridade acabou chamando-a de inadimplente.
Nas cerimônias presididas por almirantes, os víamos no palanque como indivíduos imortais, onipresentes, onipotentes e oniscientes. Eram seres tão milagrosos que sua visita melhorava o rancho, fazia as paredes aparecerem pintadas e corrigia todas as deficiências. Terminada a cerimônia, eles entravam em Opalas, que para nós tinham a mesma aparência de uma nave espacial, pois desapareciam com a pompa de uma ascensão ao céu, deixando a sub-raça perplexa.
Mas a tradição se mantém, em parte, até hoje. Temos tanta certeza de que um almirante sabe de tudo que os ofícios a eles endereçados começam dizendo: “como é do conhecimento de Vossa Excelência...” Essa forma é empregada porque nenhum oficial comum se atreveria a causar surpresa a um almirante, muito menos susto, mencionando algo que ele não soubesse.
Há detalhes básicos que devem ser observados no trato com um almirante. Nunca se deve questioná-lo sobre algo que ele não saiba responder, pois isso poderia irritá-lo, o que seria perigoso. Em lugar de perguntar, por exemplo, ”almirante, que tipo de navio é aquele?” devemos perguntar, mostrando completa ignorância: “almirante, o que é aquilo boiando?” Então, do alto de sua sapiência, ele dirá: “é um navio, sua besta”. Outro cuidado importante é que só se pode dizer não a um almirante quando seja para agradá-lo. Por exemplo, se ele pergunta ao assistente, “você acha que eu estou gordo?” O assistente responde, “não, senhor”! Nunca devemos nos esquecer de um velho ditado militar que diz: “quando o subordinado é idiota, é idiota; quando o chefe é idiota, é chefe”.
Almirante tem telefone direto no gabinete e fala até com o Nepal, enquanto capitão-de-mar-e-guerra tem telefone de ramal, com interurbano bloqueado. No rancho, há uma diferença fundamental: almirante come bacalhau e capitão-de-mar-e-guerra come badejo passado a ferro.
Assim, sabendo que almirantes são seres dotados de características pouco peculiares aos mortais comuns, fica difícil imaginar que algum dia tenham usado aqueles grotescos uniformes de aluno do Colégio e da Escola Naval, particularmente o mescla, de brim azul, tão macio que parecia lona de cobrir caminhão, e que era fornecido em três tamanhos: o grande, o enorme e o gigantesco; é difícil acreditar que almirantes tenham enfrentado fila de rancho para comer “silveirinha”, tomar “jacuba”, e receber de sobremesa uma colher de doce de leite ou aqueles famigerados figos em calda (chamados na intimidade de “testículos do Hulk”); que tenham limpado o cinto com Kaol e polido os sapatos com graxa Duas Âncoras; que tenham acordado de madrugada, depois de uma noite sonhando com o festival de provas, para mergulhar naquela piscina de água congelada, quase siberiana, da Escola Naval. E como aprenderam a nadar, se o professor da época chamava-se Maldonado? Como acreditar que um almirante já fez rol de lavanderia e já calçou sapatos “Rocha Forte”, cuja sola, ao contrário do que alegava o nome, era de papelão. Como imaginar que um almirante já viajou naquele ônibus pré-histórico, conhecido por “geléia”, que comeu ervilhas “Olé” e goiabada “Pelicano” e que usou papel higiênico “Cinelândia”? (aquele cor de rosa, tão áspero que nos deixava com as nádegas carecas, e cuja embalagem de papelão era mais macia que o próprio produto). Mas tudo isso ficou para trás, e o grande escritor Machado de Assis nos lembra com muita propriedade que “ não existe nada mais antigo do que o passado recente”.
Já houve almirantes que realmente se imbuíram do fato de serem entidades; nunca se referiam a si mesmos na primeira pessoa; diziam “o almirante gostou... o almirante está satisfeito...”, talvez porque intitular-se apenas EU fosse coisa de pessoas comuns. Um deles foi se confessar na igreja e o sacerdote não conseguia entender porque é que em lugar de contar os próprios pecados ele contava os de um almirante. O padre chegou a perguntar-lhe, “mas isso é confissão ou é denúncia”?
Houve um almirante que mandou rezar uma missa em ação de graças pelo restabelecimento da perna, que havia fraturado em um acidente. Como segundo-tenente, fui escalado para comparecer ao evento, pois cada unidade subordinada ao acidentado foi obrigada a enviar um ônibus cheio de “fiéis voluntários”. O capelão, notório puxa-saco, teve a coragem de dizer no sermão: “que beleza esta manifestação espontânea de religiosidade!” Pior foi a fila de cumprimentos, na qual fui obrigado a entrar sem saber o que deveria dizer. Depois de ensaiar, enquanto esperava minha vez, pensei em cumprimentar a autoridade dizendo: “que perna forte, almirante. Já nasceu até cabelinho”; depois achei que pareceria muita intimidade com perna tão ilustre. Limitei-me a inclinar a cabeça com um olhar respeitoso e admirado para o membro homenageado.
Eu falei que o capelão era puxa-saco, mas a verdade é que almirantes atraem puxa-sacos. O prato preferido do almirante é sempre a especialidade da esposa de um integrante de seu gabinete. O mais exagerado bajulador que conheci foi um oficial que, num momento de descontração, disse a um almirante: “chefe, nós temos o mesmo tipo sanguíneo; se o senhor precisar... terei o maior prazer”.
Um almirante é realmente um pólo de atração. Em qualquer coquetel de Marinha, quando se forma uma rodinha de oficiais, no centro estará sempre um almirante ou uma bandeja com camarões.
A transformação de mar-e-guerra em almirante é algo comparável à mutação da lagarta em lepidóptero. (O uso da palavra lepidóptero em lugar de borboleta deve-se ao fato de a primeira ser mais solene e mais máscula, além de evitar conotações pejorativas. Na verdade, essa providência nem se faz necessária, pois estamos certos de que não há e nunca houve na História um almirante gay. Sabemos que todo almirante é tão macho que seu lado feminino, se houvesse, seria lésbico).
Falando em transformação, vejamos o que ocorre nesse processo. A primeira alvorada de um almirante é o nascimento de um mundo encantado. A natureza surge em festa, com passarinhos amestrados pelos mais modernos cantando nas janelas de sua residência. O gerente do banco passa a tratá-lo como cliente VIP e aumenta logo seu cheque especial. O mar-e-guerra de ontem, que sabia até se vestir sozinho, vê surgir milagrosamente um séqüito (que logo se tornará indispensável) para auxiliá-lo: assistente, taifeiro, motorista, ordenança e despenseiro, todos solícitos e ávidos por atendê-lo. Nesse contexto, surgem a água de bolinha, o cafezinho em xícara de porcelana com a “ancrinha” (nada daqueles famigerados copinhos de plástico que mar-e-guerra usa), o spray de “bom ar”, com cheirinho de quarto de solteirona, o tapete persa sob a mesa, em lugar do velho carpete manchado e de cor indefinível; o banheiro privativo, com tábua de privada modelo luxo, papel higiênico macio, perfumado e aveludado, sala de trabalho com vista para algum lugar além do corredor, carro amplo e confortável com gasolina por conta do contribuinte, e o apartamento funcional grande, sem infiltrações, com todos os eletrodomésticos funcionando, e que passa a ter o pomposo nome de “ residência oficial”.
Dentre as facilidades inerentes ao novo posto, as consultas médicas e odontológicas são um capítulo a parte. Adeus à fila da vala comum. Em lugar de pegar senha de madrugada, as consultas passam a ser assim: o almirante manda o assistente telefonar, e o médico, olhando a agenda cheia até o fim do ano, pergunta: “ a que horas o chefe pode vir?” Nessa altura, a consulta do mar-e-guerra da reserva, marcada havia seis meses, fica adiada para o próximo milênio. Se fosse oftalmologia, ele já iria para a consulta levando a bengala branca. Para almirante, acabou aquele atendimento em que a lipoaspiração é realizada com “Vaporetto”, as hemorróidas são extraídas com alicate, o joanete é removido com serrote e a prótese peniana é feita com duas canetas “bic". Saúde é coisa séria, pois não há dúvida de que um almirante gripado causa muito mais preocupação do que um mar-e-guerra moribundo.
As viagens são outro destaque. Nada de depender de “cochas” na FAB, cuja sigla significa Fome A Bordo, pois não oferecem nem um cafezinho. Chega de viagens pelo CAN, que quer dizer Compareça Amanhã Novamente, pois os voos nunca saem no dia marcado. Quando o mar-e-guerra pega um voo desses, se arrisca a ter como companheiro de assento um índio xavante, pintado de urucum, borrando seu uniforme branco e contaminando-o com aquele cheirinho de sucuri do Alto-Xingu. Almirante só vai de primeira classe, com espera em sala VIP, o assistente carregando o “prá-terno”. Foi-se o tempo em que os pés chegavam ao destino tão inchados que o mar-e-guerra saía andando como o Mickey na parada da Disney.
A chegada às solenidades passa a ser feita de forma individual, com destaque, toque de apito, banda e oficiais formados. Nada de chegar como mar-e-guerra, despercebido, entrando pelos fundos do quartel, em grupo, de carona em uma van, quiçá em uma Kombi, ou pior, em ônibus de representação. Ficou apenas na lembrança aquela fase de chegar dirigindo o próprio carro e estacionar ao sol, tão longe que o ideal seria tomar um táxi para chegar até o palanque. Já que falei nele, acabou-se aquele empurra-empurra do palanque “geral”, compartilhado com fornecedores de Marinha e oficiais menos cotados. Terminou o contraste dos vistosos uniformes com aqueles ternos tipo “três vezes sem juros” e sapatos “Vulcabrás”, típicos do pessoal da “vala comum”. Agora é um palanque classe “A”, sob um toldo decorado, no lado da sombra, com serviço de bufê e água gelada em copo de cristal. Durante o coquetel, todas as bandejas cheias passam ao lado dos almirantes, particularmente as de camarão. Enquanto isso, os mar-e-guerra se aglomeram na porta da cozinha, disputando a tapa um refrigerante genérico, quente, e um canapé de sardinha. Mar-e-guerra só vê camarão em filme do Jacques Cousteau, e se levar algum para casa as crianças dão chineladas achando que é uma barata.
A transformação ocorre também no aspecto intelectual. O que mar-e-guerra fala, ninguém se lembra; o que almirante fala, vira citação. Mar-e-guerra só pode fazer um comentário quando tem certeza, mas almirante pode dizer apenas “eu acho” e o que ele disser passa a ter a força de um preceito bíblico. Mar-e-guerra quando não sabe é incompetente; almirante quando desconhece, certamente foi mal assessorado.
Um almirante, mesmo sem perceber, dita os hábitos e costumes em sua área de influência. Se ele diz que gosta de judô, no dia seguinte metade do gabinete já estará de quimono; se ele joga futebol, haverá sempre um puxa-saco voluntário para ser goleiro do time adversário; se ele é vegetariano, até gaúcho pára de comer carne; se ele é religioso, e não declara a preferência, é de bom alvitre que os subalternos cerquem por todos os lados: parte do gabinete passa a andar com a Bíblia debaixo do braço, outros a ouvir o CD do Padre Marcelo, e o assistente vira pai-de-santo, com charuto, galinha preta e traje de babalaô.
Na transformação em almirante, até a expressão facial muda. Mar-e-guerra tem aquela “ cara de faina”, está sempre ofegante, com as feições típicas de quem está à beira de um infarto. Almirante tem o olhar sereno dos iluminados, aquele comportamento “Zen” que permite que mantenha a calma mesmo quando todos a sua volta já querem atear fogo às próprias vestes. Por isso, pode-se afirmar que a escolha de um almirante se assemelha a de um Dalai Lama. A única diferença é que a Marinha em lugar de selecioná-los no berço, por indicação das divindades, deixa para fazê-lo mais tarde, entre os mar-e-guerra, por um processo tão cabalístico e imprevisível que somente almirantes sabem fazer a escolha.
Finalizando, pode-se afirmar que o sonho de todo mar-e-guerra da reserva é ter um amigo almirante, pois, como se diz há anos, “mais vale um amigo no gabinete que dez anos de capacete”.
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