Receita de Magia número V
Ou, o feitiço da Búzios Sailing Week 2012
Por Renato Avelok Avelar.
Amigos nautas e amantes da vela de plantão, imaginem só que receita bacana, esta, da poção de Magia Número V: junte um bocado de velejadores entusiasmados debaixo de uma lua cheia imensa como um queijo mineiro da serra da canastra, adicione um por do sol cinematográfico por trás das ilhas do litoral fluminense, ponha uma pitada generosa de ventos de toda sorte (do fraco ao forte, de todas as direções), coloque bastante água de um mar absurdamente transparente em temperatura agradabilíssima e refrescante ao contato com a pele e, de sobra, um bom bocado de alto astral. Calma, calma! Tá quase pronta! Adicione, ainda, mais 24 barcos de regata de alta performance, os mais lindos do Brasil com seus tripulantes, coloque tudo dentro de um ambiente cavalheiresco e familiar, como o do Iate Clube Armação de Búzios, tempere com um animado cocktail de abertura, depois agregue um farto e saborosíssimo churrasco rodízio (para receber os velejadores após o primeiro dia de regata), tempere tudo com muito bate papo agradável, com direito a canoa de cerveja todos os dias, e sirva no formato de cinco regatas dividas em três dias, todas capitaneadas pelo mestre dos livros de procedimentos em vela ligeira, Sr. Pedro Paulo Petersen. Aí está a receita da semana de vela de Búzios, o melhor evento náutico do Grand Slam da vela brasileira. Quem perdeu, perdeu! Agora só no ano que vem. Mas, fica triste não, leia a matéria e, certamente, a magia vai te pegar também!
A semana de vela de Búzios não é o evento com o maior numero de barcos no calendário de vela de alta performance do Brasil, longe disto. Lá o objetivo e o mote são outros e, provando e comprovando o dito popular que diz: “se tamanho fosse documento o elefante era o rei da floresta”, este evento jamais reuniria um escrete tão espetacular e barcos tão magníficos.
Campeões olímpicos e mundiais como Torben Grael, Maurício Santa Cruz, Peter Siemsen, Eduardo Penido, Roberto Marins, Ralph Rosa, do pequeno notável e tricampeão da ORC San Xico Freitas, “gentes” que fazem um evento de altíssimo nível técnico, com uma plasticidade que os turistas de todo o mundo contemplam e, em prece silenciosa, agradecem a Deus por estarem ali. Junto a estes, outros tantos craques de ponta menos famosos, como os baianos do Bola 7 e do Marujos, e os cariocas do legendário Velamar 36 KeeKee e do Multimmar 32 Xekmate, que, anonimamente e despretensiosamente, se misturaram aos amadores, como a galera capixaba, que compareceu com três barcos (Phantom of the Opera, Azzurro eFlying Phantom).
Gente como o comandante Bernardo Quintanilha, de Cabo Frio, um cristão que participou do match como que cumprindo, dolorosa e vagarosamente, uma promessa de joelhos, durante a “raia-crucis” desta Semana Santa, em meio a uma velocíssima corrida de craques; uma alma que participou do evento em seu pequenino e solitário 19 pés em meio a uma manada de gigantes e, nem por isso, foi figura anônima. Pelo contrário, foi um dos personagens que, entre todos, mais se divertiu, divertindo aos outros também. No primeiro dia, velejando com seu barco ainda na primeira perna da regata, quando todos já estavam terminando a prova, ele entra em contato com a CR (Comissão de Regata) no canal 74 - definido como o canal de comunicação do evento - e pergunta se eles o aguardariam terminar o percurso (ciente do atraso que causaria a todos). A Comissão de Regatas, do alto da sabedoria e experiência de Mr. Petersen, responde que o percurso da Classe Cruzeirão (da qual ele fazia parte) fora encurtado e que, após a perna de sotavento, eles poderiam voltar ao clube. O comandante Bernardo, sempre bem humorado, responde solenemente: “o veleiro Coral agradece à CR e tem a honra de informar a todos os participantes da Búzios Sailing Week, que será o primeiro barco a chegar no churrasco e que irá aguardar, pacientemente, todos os participantes da regata, no ICAB!”
Estes nautas, de toda sorte e sotaques, foram participar e celebrar a vida na BSW 2012, velejando na melhor raia de regatas de mundo, no dizer de Torben Grael sintetizando esta festa da vela. Este, mais uma vez (como sempre!), proporcionou regatas sensacionais, com pegas alucinantes, tudo sob uma moldura mais que fantástica, talvez uma das mais belas raias de regatas do mundo.
Para quem nunca teve a oportunidade de participar da semana de vela de Búzios, vamos bordejar nas imagens fantásticas de Gonzalo Arselli, procurando explicar com palavras como acontece esta magia, tentando colocar você no meio dela.
O Point da alquimia
Esta alquimia única e sensacional começa com a tradição do ICAB - Iate clube armação de Búzios, um clube como poucos, que só aceita veleiros em suas dependências e em suas poitas. Um centro de treinamento olímpico de vela, capitaneado pelo simpaticíssimo “Sir” Alan Joullie, um anfitrião como poucos, que vem nos ensinando o sentido da palavra agregar quando se trata de vela de regatas. Alan vem proporcionando, com Loic Gosselin, da Media Mundi, a realização anual da regata de Veleiros Clássicos, um evento único, desfile de embarcações históricas e cavalheirismo nas águas mágicas Buzianas, que já faz sucesso há 6 anos, fora os inúmeros campeonatos mundiais, brasileiros e sul-americanos que eles sediam na magnífica Armação dos Búzios.
Nas águas mágicas da Armação
Ao todo foram disputadas cinco regatas, sendo duas no primeiro dia, com ventos fracos a quase nulos. No segundo dia, regata de percurso dentro da baía de Búzios com muitas e muitas pernas, realizada sob ventos que variaram de quase nulos a “pancadeiro de suduca” de 25 nós e, no terceiro dia, duas regatas sob ventos regulares, em torno de 10 a 15 nós, tecnicamente uma receita mágica para medir os talentos e as capacidades, técnica e estratégica, das tripulações. Uma meteorologia sob encomenda, para separar a sorte da competência entre os 24 barcos que participaram do evento, divididos nas classes ORC (a mais expressiva), IRC, HPE 25, S40, RGS e Cruzeirão.
A classe de maior representatividade e disputa no evento foi a ORC, com mais de 15 barcos na raia.
Sim-salabim – os S40 em cena
Mas as cenas que tiraram o fôlego e mostraram a todos uma aula mágica de vela e emoção, foram proporcionadas pelo verdadeiro match entre os S40 Magia V, de Torben, e Carioca, do campeão mundial de Soling Roberto Marins, protagonistas de um simulacro de América’s Cup (da geração passada... Quando era disputada, ainda, em monocascos), em meio a uma raia com vários barcos travando pegas sensacionais, disputados palmo a palmo. Um show de vela, na essência da palavra. Torben suou para vencer Robertão e sua tripulação, a olhos vistos. Os pegas foram disputados em metros, cambada por cambada, bordo por bordo, jibe por jibe, bóia por bóia, pois Robertão e seu escrete estavam com a faca nos dentes. Os S40 andam uma barbaridade e, no tempo real, durante todas as regatas, eles andavam na frente: os dois S40 brigando e o Tembó Guaçu, ex-Loyal, embolado neles, criando um espetáculo de imagens a parte.
IRC, ORC... Saravah meu pai...
Quem andou muito bem também foi o belíssimo Carabelli 53, Saravah, do comandante Pierre Joullie, que marcou belíssimas disputas e venceu na IRC, categoria que tem elementos interessantes de medição e que vem ganhando projeção em todo o mundo.
Na ORC, os pegas também foram danados: o pequeno notável, San Chico, se despede (vai crescer e virar um B&B 40) com o tri campeonato (suadíssimo, diga-se de passagem) na classe ORC. Vale ressaltar que as largadas dessa classe mostraram o nível do evento (vide fotos de Gonzalo Arselli), as sensacionais arrancadas dos grandões, como o 50 pés de salvador Bola 7, o Delta 45 Seu Tátá, os Benneteaus da escola Naval, o 46 pés Angela Star, a quase-espaçonave hight tech Duma, o Miragem, os lindos Skipers 30 Bravíssimo e Spyro Giro, dentre tantas naves lindíssimas e não menos imponentes, que, em quase sua totalidade, desfilavam enxovais de velas exoticamente pigmentadas com tonalidades e texturas tecnológicas, variando do Kevlar, Carbono, Pentex, a outras alquimias mais.
Na RGS quem levou a melhor foi o Xeqmate (Multimar 32), depondo do trono o deca campeão Keekee e, na HPE 25, com apenas dois barcos de Vitória participando do evento (alô, alô, cariocas e paulistas, cadê vocês?), quem levou a taça foi a equipe do Flying Phantom, do Avelok, com a tripula composta por Marcos Albuquerque, Jovair Voleske e Julinho Marques, que venceu o Azzurro, do comandante Secchin, de virada (e comemorou muito a vitória, obtida graças a uma regulagem “na mosca”, que, confesso aos leitores, é a fraqueza mor deste que vos escreve e que timoneou o Flying Phantom).
Na classe cruzeirão, ninguém menos que o minúsculo notável Coral, de 19 pés, venceu o não menos alto astral, e animadíssimo, pessoal do Fast 395 Pasargada.
Ele é ele, né?
Aí, més amis, tudo se converte, se compila, se transforma e, tal qual a profecia, se revela. A magia numero cinco, do manual de vela de regatas do mar Buziano, destaca o grande milagreiro do evento, ninguém menos que “São” Torben Grael, que, como sempre, deu um show à parte com sua bela nave Magia V, participando e respeitando, na água e fora dela, de igual para igual, com plebeus como o Bernardo, do veleirinho Coral, uma aula de magia brasileira num mundo onde a vela parece que só se move com dinheiro. Em Búzios a banda toca diferente. Participe desta festa da vela e venha comprovar e provar desta receita mágica. Bons ventos a todos!
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