27/04/2012

Notícias do inferno: sobrevivente conta sobre naufrágio nas Farallones, FONTE : Tangatamanu.wordpress.com


Bryan Chong, um dos três únicos sobreviventes da tragédia com o veleiro “Low Speed Chase” no qual 5 pessoas morreram na região de San Francisco, Califórnia, conta sua versão de como a coisa toda aconteceu numa narrativa emocionante. Se você quiser ler o original em inglês, clique aqui. Já se preferir uma versão resumida numa tradução tangateanamente livre dos principais trechos, abaixo sua carta publicada na web:
O início
“Havia oito tripulantes a bordo: um profissional, seis experientes e um marinheiro de primeira viagem, animado para sua primeira regata. É sábado 14 abril de 2012, por volta de 8:30 da manhã. Deixamos o San Francisco Yacht Club e nos dirigimos através da baía, passamos pela área de largada, quando Alan pega o rádio e diz em um forte sotaque irlandês: “Farallon comissão de regatas, Low Speed Chase fazendo check-in. Oito pessoas a bordo. Confirma?”. Nenhuma resposta. Ele repete e a voz no receptor soa de volta: “Confirmado, Low Speed Chase. Obrigado”.
Nós levantamos nossas velas percorrendo a área inicial, verificando ventos e correntes e começamos a trabalhar uma estratégia. Enquanto isso, a equipe fazia as verificações de velas, linhas, equipamentos de segurança, e de roupas. Hoje a nossa estratégia de partida é simples: evitar queimar a largada. Isto é especialmente importante dada a maré baixa e os ventos fracos.
Estamos bem atrás da linha de largada. A contagem regressiva continua, mas alguma coisa nos distraiu. Percebemos nossa posição ligeiramente atrás da linha de partida. O ar está parado e nós estamos tentando aparar nossas velas para espremer tudo o que pudermos a partir de um nó de vento. Estamos boiando para trás em direção à ponte. Decidimos ancorar para prevenir nosso “progresso”. Finalmente, o vento começa atrás de nós. Desalojar a âncora é outro desafio mas com um guincho, uma adriça, e algum músculo de Marc, a tiramos do fundo da baía. Nosso início fracassado nos custou mais de uma hora. Nosso objetivo para a corrida agora mudou e a única vitória que estamos esperando é evitar um desastroso DNF…
O céu está claro e o vento agora é de 20-23 nós. Sempre foi difícil para mim avaliar altura ondulação da água. Cada ondulação tem sua própria personalidade. Parece-me que estão na faixa de 3 a 4 metros com séries maiores em torno de 5 metros.
A perna é no contra vento e tranqüila. Tudo somado, está se transformando em um belo dia no mar com as condições conforme o esperado. O vento e as ondas são grandes mas com velocidade e direção constantes. Nick, Alan, Jordan, Jay e eu, todos se revezam na roda de leme, mantendo a velocidade entre 7,5 a 8,5 nós. O clima é descontraído no barco. Aceitamos o nosso lugar na parte de trás da flotilha e então não há necessidade de arriscar equipamentos e a segurança. Nossa menta não é sermos agressivos. Esta é a minha primeira corrida aos Farallones – uma regata que eu queria fazer há anos. Minha expectativa aumenta à medida que nosso veleiro se aproxima das ilhas.
Volta à Ilha
As Ilhas Farallon possem uma beleza árida e assombrosa, mas não há tempo para apreciarmos a paisagem à medida que nos aproximamos. As ondas e o vento constantemente formam cristas brancas. Como as condições pioraram eu estou na vela principal e Alan – de longe o melhor piloto com experiência em oceano – está no leme.
Logo nos aproximamos do primeiro ponto rochoso no canto nordeste da ilha. As ondas são muito maiores. Pouco tempo antes vimos outro barco passar. Atrás de nós, um barco parece estar em nossa linha.
Há um vídeo no YouTube mostrando o veleiro “Deception”, de 50 pés, e vários barcos passando pela ilha. Eles estão cerca de uma hora antes de nós. No vídeo podemos ver a a diferença no crescimento das ondas antes, durante e após passarem pela ilha. O vídeo não faz justiça à intensidade das condições daquele dia. Mas dá um boa idéia para quem não estava lá.
Farallones do Sul é formada por duas ilhas principais que formam um conjunto de braços para o norte. Entre os dois pontos mais a norte é que se manobra para chegar ao próximo ponto.
Muitas pessoas – imprensa, amigos e familiares me perguntaram o quão perto das pedras nós estávamos. Na verdade, esta é uma das perguntas mais difíceis de responder, pois meu foco era quase puramente manter uma distância do início da zona onde as ondas quebravam e ficar no swell. Ficar longe das pedras era uma preocupação secundária.
Quando nos aproximamos do segundo ponto eu estimo que estávamos uns 100 metros de onde quebravam as ondas e ninguém a bordo comentou nada sobre isso. Foi então que nos deparamos com o maior onda que já vi. Ela começou a formar sua crista mas passamos por cima antes que ela quebrasse. Trinta segundos depois, não teríamos tanta sorte.
A onda
Eu vi uma outra onda se aproximando a distância. Ela estava vindo da mesma direção que os swells mas era uma massa enorme. Antes, eu já vira grandes ondas mas essa é diferente de tudo que já vira, tirando as grandes ondas em vídeos de surf. Quando a onda se aproxima ela começa a se achatar e formar a crista. E no momento em que nosso barco a encontrou não havia rota de fuga. Alan orçou o barco na onda e o Low Speed Chase subiu. Segundos depois ela já estava quebrando. Estávamos indo na direção da onda a 10 nós de velocidade e ela se quebrando sobre nós. Eu travei meu braço direito na linha de vida e me praparei para o impacto. A última coisa que vi foi o barco inclinar e virar e uma massa de água caindo sobre nós… Um único pensamento passou pela minha cabeça: “Isso vai ser ruim”.
Após o impacto
Eu fiquei submerso até que o veleiro endireitou-se sozinho. Confuso e desorientado eu olhava em volta. Nick e eu éramos os únicos que ainda estávamos no barco.
As velas estavam rasgadas, o mastro quebrara e cada dispositivo que flutuava tinha sido arremessado para fora. Nós imediatamente começamos a tentar trazer os tripulantes para dentro do barco mas uma segunda onda nos atingiu por trás. Esta arrancou-me fora do barco, na área de arrebentação. Nick mal conseguiu permanecer a bordo quando o barco foi jogado pelas ondas nas rochas. Eu não posso dizer se eu estive na água por um minuto ou uma hora, mas, segundo Nick foram cerca de 15 minutos.
As pessoas me perguntam se eu nadei para a praia. A melhor maneira para descrever a água na arrebentação é uma máquina de lavar cheia de pedras. Você realmente não nada. A água me levou para onde ela queria me levar, e quando eu fui capaz de finalmente subir nas rochas de baixo eu ouvi gritos à distância. Era o Nick pedindo para eu chegar a um lugar mais alto. Juntos, vimos Jay um pouco abaixo da linha da costa. Ele estava fora da arrebentação das ondas mas preso em uma rocha cercada por falésias. Pelo que pudemos ver, ninguém mais tinha sido capaz de subir nas pedras em segurança.
A Guarda Costeira Americana e a Guarda Aérea Nacional nos resgataram com presteza e profissionalismo. Temos sorte de ter esse tipo de resgate em nosso país. Se estivéssemos em outro lugar é possível que Jay, Nick e eu não tivéssemos sido resgatados.
Reflexões
A comunidade da vela pode querer saber o que poderia ter sido feito de diferente nesse dia. Tudo realmente gira em torno de um amplo compromisso com a segurança. Essa preparação acontece antes de pegar o barco para uma regata. Quando a tripulação conversa geralmente tratam de ventos, correntes, táticas, regras ou os acontecimentos do dia – mas não se fala sobre de segurança. Eu quase nunca ouvi conversas sobre os benefícios dos modelos de coletes salva-vidas, diferentes casacos, prós e contras de amarras ou vejo alguém praticando homem ao mar nos exercícios de regatas.
Tivemos durante toda a regata os equipamentos de segurança obrigatórios instalados incluindo duas linhas de vida. Todo mundo estava usando coletes salva-vidas mas nenhum de nós estava atado à linha de vida quando a onda nos atingiu.
Eu não posso falar por outros velejadores mas eu atingi um nível de conforto, onde eu só me amarro à noite ou quando as condições são realmente ruins. É simplesmente um mau hábito que se formou devido a uma falsa sensação de segurança no mar. “Além disso”, eu costmava dizer para mim mesmo: “ah, eu posso me amarrar quando algo de ruim estiver para acontecer…”.
É óbvio para mim agora que eu deveria estar preso no barco em cada oportunidade possível. Algumas medidas de segurança podem realmente limitar manobras, mas se você for gastar uma hora timoneando, trimando ou ficar andando pra lá e pra cá no mesmo lugar, por que não se amartrar? Há preocupações legítimas sobre ser esmagado pelo barco num naufrágio. Esses 15 minutos na água foram pra mim os mais assustadores da minha vida. E garanto: o barco era o melhor lugar para se estar – no interior ou no cockpit.
Até o acidente, eu acreditava que me atar à linha de vida ou não, fosse uma escolha pessoal. Mas agora eu penso que isso se estende além da segurança indivídual. É para a equipe como um todo. Se eu estivesse amarrado quando a primeira onda nos pegou, eu precisaria me desatar para ajudar as pessoas que tivessem caído do barco e então eu teria sido atingido pela segunda onda e ainda assim acabaria caindo na água. As tripulações precisam estabelecer estratégias de amarração. Uma pessoa que cai no mar pode colocar toda a tripulação em risco, com os outros tendo que se desamarrar para manobrar o veleiro de volta em sua direção.
Eu realmente me considero sortudo por ter uma segunda chance na vida com minha esposa e meu filho de 8 semanas de idade. Olhando para trás, havia uma série de fatores que podem ter me ajudado a sobreviver naquelas águas. Depois de anos na proa de um veleiro de regata, eu uso caneleiras almofadadas e joelheiras de neoprene, luvas com dedos inteiriços, boas roupas de mau tempo, e não de tecidos de algodão. Eu também uso meu dispositivo autoinflável de flutuação pessoal. Além disso, os treinamentos numa academia que ganhei da minha esposa ano passado foram inestimáveis. A sorte realmente estava do meu lado, mas eu também acho que deixei a porta aberta para ela.
Esperemos que este incidente venha estimular uma discussão mais ampla sobre a segurança veleiro. No entanto, a maior lição que eu aprendi sobre esse dia não estava em nenhum equipamento. Tratava-se de assumir a responsabilidade pessoal para minha própria segurança. Nosso EPIRB, dispositivo de rastreamento por GPS ativado no contato com a água, felizmente funcionou como planejado, mas quem verificou por duas vezes as baterias naquela manhã? Não fui eu e não me pergunte quem o fez…
O que desejo é que minha tripulação ou a comunidade náutica nunca passe pelo que nós enfrentamos neste trágico acidente.
Neste fim de semana ouvi uma citação de um discurso de 1962 por John F. Kennedy para competidores da América’s Cup que em minha mente capta a essência de nossa fascinação com o mar:
“Todos nós temos em nossas veias o mesmo exato percentual de sal em nosso sangue, que existe no oceano, e, portanto, temos sal no nosso sangue, nosso suor e em nossas lágrimas. Estamos ligados ao oceano. E quando voltamos para o mar, seja para velejar ou para assistí-lo estamos voltando de onde viemos.”
Alan, Marc, Jordan, Alexis e Elmer. Fiquem ligados. Uma dia vamos terminar essa regata juntos…
Bryan Chong”

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